Pular para o conteúdo principal

SOLIDÃO


Imagem do google

      
              "Não há solidão mais triste do que a do homem sem amizades. A falta de amigos faz com que o mundo pareça um deserto." Francis Bacon

               Pela janela do quarto ele vê a vida passar, lá fora crianças brincam de bola e a cada vez que fazem um gol, ele lá do seu cantinho timidamente vibra. Artur tem oito anos de idade e vive só com sua mãe, seu pai morreu quando ele ainda era bem pequeno e dele quase nada lembra. Sua mãe vive do trabalho para casa e no período da manhã em que estão os dois em casa quase não trocam uma palavra, se entendem assim através do silêncio, quase que adivinhando o desejo do outro.

              A vida passa sem nenhum brilho naquela pequena casa, só o mundo lá fora muda as estações, tem vida própria, cá dentro ele, o mundo, parou. Pela tarde os dois saem, ela o deixa na escola e vai para o trabalho. Para Artur frequentar a escola nada mais é do que ouvir, nunca participar. Por ser muito calado, tímido ao extremo, quase não é notado por seus colegas e professores. Para todos está tudo bem, ele não incomoda e assim também não é incomodado, há um pacto silencioso. No intervalo observa como espectador da vida as crianças brincarem, lá dentro dele há uma criança que sorri e brinca também, aqui e acolá ele esboça um leve sorriso por se projetar em algumas daquelas alegres e sorridentes crianças.

              Assim Artur foi crescendo, vendo o mundo como espectador, sentindo a vida passar por ele sem parar e sem direito de voltar atrás para refazer o caminho. Terminado os estudos, sua mãe consegue um emprego para ele no cartório onde trabalha, sua tarefa seria a de reconhecer firma. Depois que aprende a fazer o que lhe foi designado ele mecanicamente todos os dias desempenha sua função vendo a vida como um trem que passa velozmente por uma estação. Ele é aquela esquecida estação, perdida em algum lugar do mundo onde o trem nunca para. Vivendo com a mãe aquela mesma vidinha, utiliza seu dinheiro apenas para comprar seus livros, onde ele prazerosamente se delicia e vive suas compensações, viaja através de cada página, descobre um mundo para ele tão distante, já o resto do dinheiro guarda em uma poupança simplesmente por não saber com que gasta, sente que não precisa de mais nada.
             Um dia sua mãe adoece e deixa de trabalhar e sua vida se resume a cuidar dela e ir para o seu emprego no cartório. É um longo período de exaustivo trabalho, quando ele vai dormir, já não consegue nem terminar suas orações e é vencido pelo sono. Ao acordar certo dia sua mãe havia morrido, pelo sofrimento o qual passou que descanse em paz, pensava ele. Os dias ficaram mais longos, já não havia motivos para voltar para casa, passeia longamente pelos parques, senta nos bancos para ler, se deixa levar por devaneios observando o transitar das pessoas, casais de namorados a conversar, crianças a brincar, uns que passam apressados cada um com suas angústias e ele na sua rotina que mantém ao realizar a mesma tarefa no cartório, agora reduzida a um simples clicar na tecla do computador. Novos tempos, menos trabalho, pelo menos para ele.

              Os seus colegas de trabalho que respeitam a sua maneira de ser, o veem como excêntrico, eles têm por hábito fazer toda a semana uma fezinha na loteria e como o convidam ele sempre aceita, se negar pra quê, mas que veio a sorte e eles ganham um grande prêmio. Foi uma felicidade geral, chegou o dia de receber todo aquele dinheiro e Artur que já possuía uma quantia significativa não conseguia entender o porquê de tanta euforia. Dinheiro da loteria colocado na conta e estava ele com uma bela fortuna, mas a vida para ele não é isso, não é ter e no seu íntimo ele se pergunta, tudo isso para quê?

              Um excelente final de semana para todos!

Comentários

  1. Bom dia,Valéria!!

    Puxa...que triste uma vida assim né?!
    Uma vida que não foi vivida...
    Um lindo conto,minha querida!!!Faz pensar!
    Conhecei uma pessoa bem parecida...ele só nunca ganhou na loteria e morreu pobre e sozinho...muito triste.
    Beijos!!!!Ótimo final de semana!!

    ResponderExcluir
  2. Ótimo fim de semana, Valéria! Obrigado por dividir essa história bonita e reflexiva com a gente! Que a vida de todos seja muito cheia de significado e realizações (e, de preferência, que não envolva dinheiro). bjos

    ResponderExcluir
  3. Oi Valéria
    Conheço uma pessoa assim.
    E sobre a solidão, a pior solidão é a vivida a dois.
    beijso e bom feriadão

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Valéria,
      Gosto muito de ler seus textos.Pena que na minha correria nem sempre possa estar por aqui.
      Bj e bom fim de semana,
      Lylia

      Excluir
  4. Oi Val!!!

    Um pouco triste esta história, nem sempre a vida é justa.
    Mas como diz Amir Klink:"Quem tem um amigo, mesmo que um só, não importa onde se encontre, jamais sofrerá de solidão; poderá morrer de saudades, mas não estará só."
    Um ótimo fim de semana pra você!!!
    Bjs :)

    ResponderExcluir
  5. Muito triste, Valéria. Mas mais comum do que pensamos. Também conheço alguém assim, só que não amealhou fortuna, e tem família, mas vive sua vidinha particular, sem falar muito, sem se manifestar afetivamente. Mas é o jeito que escolheu.
    Beijo e bom fim de semana.

    ResponderExcluir
  6. Oi Valéria, coitado do Artur, tão introspectivo, olha mas essa fortuna eu ajudaria gastar em dois tempos rsr brincadeira! Ótimo conto! Bjoooss

    ResponderExcluir
  7. Que triste , mas real. Tem muita gente assim, ás vezes só falta um amigo para trazer alegria para essa vida.

    Beijos

    ResponderExcluir
  8. Ei Valéria
    Muito triste a vida do Artur, pra mim ele tem uma baita depressão, não acha graça em nada.
    E o dinheirão que ele ganhou, doa pra instituições de caridade, pessoas carentes, reparte, aí ele vai se sentir feliz.
    Beijo.

    ResponderExcluir
  9. nossa disse tudo é real e triste e tbm pode ter mil pessoas em volta mas se não tem um amigo a pessoa está só !

    ResponderExcluir
  10. Oi, querida Valéria,
    Arthur é como um pássaro que sempre engaiolado não aprendeu a voar. Sequer suspeita que pode ir pra longe, conhecer coisas e mundos. Seu universo é aquela gaiola que, mesmo quando desfeita, o prende a um só lugar.
    E existe um monte de gente assim que sequer suspeitam de si, que dirá do mundo à sua volta!
    Bjsssssssssss, quérida!

    ResponderExcluir
  11. Ih, mas tem muito homem assim por aí!
    Os homens, diferentemente de nós mulheres, acham que amizade é só pra ver o jogo da seleção, tomar um vinho ou cerveja de vez em quando, e falar coisas superficiais, nunca de suas aspirações ou tristezas.
    Pena que o Artur seja mais fechado do que estes homens que conheço, porque com dinheiro ainda por cima, é sempre mais fácil fazer amigos, quer dizer, gente ao redor.
    um beijo carioca

    ResponderExcluir
  12. Valéria,

    Li lá Luma, um post interessante sobre a história de uma águia que foi criada como galinha. Mas uma dia, ela foi incentivada por um naturalista a voar. E assim, quando ela enxergou seu próprio mundo, voou como águia.
    Essa rapaz foi criado pra ser só. O mundo dele era restrito ao que a mãe lhe conduziu. Existem muitas pessoas assim no mundo. Elas não enxergam a potencia que tem dentro delas mesmas.
    Linda história pra refletir.
    Abraço,

    ResponderExcluir
  13. Que lindo conto e Artur com sua triste solidão. Porém nada fez com que ele perdesse seus valores. Mesmo cheio de grana, ainda assim valorizava o SER e não o TER, embora nem mesmo soubesse aproveitar. Vivia do seu modo e quem, sabe, assim fosse feliz... beijos,obrigado pelo carinho por lá!É uma linda e nova fase e agora precisamos e pedimos SAÚDE!! beijos,chica

    ResponderExcluir
  14. Bacana mesmo o seu cconto Val!
    Muito a se pensar..
    Muito bom ter um amigo..alguem que nos incentice, e nos aceite como somos!
    Obrigada pelo carinho de sempe com a minha pessoa e com a minha arte!!
    Vc sempre ta presente e carinhosa!

    Um bj e bom sabado!!

    ResponderExcluir
  15. Talvez o Artur não tenha tido coragem de sair da sua própria casca, da sua segurança, teve medo de dar o próximo passo...acontece com qualquer um de nós...afinal somos todos seres excêntricos aos olhos alheios...muita gente vive assim, sem ser notado, passando a vida inteira sem chamar atenção de ninguém, nem de si mesmo...

    Bom dia minha amiga!

    ResponderExcluir
  16. Val... Escreve um romance pra nós!!
    Adoro seus contos!

    Conheço um Artur... Muito triste!
    "A timidez é uma condição alheia ao coração, uma categoria, uma dimensão que desemboca na solidão." (Pablo Neruda)
    Beijos e um excelente final de semana pra vc e família!

    ResponderExcluir
  17. Os bens mais preciosos da vida não estão no campo material. Essa não participação na vida é triste e desalentadora. Creio, porém, que a própria pessoa em muito contribui para isso. Há crianças que se sentem sós, quando em casa, mas que conseguem criar vínculos com as demais, ultrapassando a porta.
    Muito bom seu conto, Valéria!
    Grande beijo

    ResponderExcluir
  18. Oi Valéria,
    Que triste e real a vida do Artur! A solidão seja por opção ou imposição é muito triste.
    Precisamos nos policiar pois gostar da solidão é fácil.
    Lindo seu conto!
    Beijos.
    PS: Vou ali ligar para uma amiga e bater um papo.

    ResponderExcluir
  19. Poxa vida!
    Que triste esse moço....
    Como é triste passar uma infância assim tolhida.... que respinga por toda a vida...

    Que lindo, Valéria...

    Beijos, querida!

    ResponderExcluir
  20. Valeria,muito comovente conto,mostrando que dinheiro nenhum traz alegria gratuita,sempre precisamos ter alguem!Bjs e meu carinho,

    ResponderExcluir
  21. OI VALÉRIA!
    BELO CONTO.
    O QUE PARA MUITOS SERIA A DIFERENÇA, GANHAR UM GRANDE PRÊMIO NA LOTERIA, PARA ESTE PERSONAGEM, NADA SIGNIFICOU, PORQUE PERANTE A VIDA ELE É SÓ UM PERSONAGEM MESMO,SEM MOTIVAÇÕES, QUE PENA!
    ABRÇS

    zilanicelia.blogspot.com.br/
    Click AQUI

    ResponderExcluir
  22. Olá Valéria,

    Fiquei com pena da solidão do Artur. Não fossem os livros, que prazer ele teria na vida?
    É certo que o "ter" não é o essencial, mas se ele tivesse
    sonhos saberia o que fazer com a pequena fortuna. Inclusive poder partilhá-la, gerando oportunidades e bem estar a seu próximo.
    Triste solidão!

    Gostei do conto.

    Ótimo domingo.

    Beijo.

    ResponderExcluir
  23. Ao deparar-me com a imagem senti o quanto seria triste, como a própria imagem reflete. Artur pensava diferente e era diferente dos demais. Ele aderiu ao mundo da leitura, talvez tenha ultrapassado o jeito comum de ser! Parabéns Valéria, seus contos me encantam. Grande abraço! Lindo final de semana!

    ResponderExcluir
  24. Voltei pra agradecer os carinhos, inclusive no Neno e desejar um lindo e feliz domingo!beijos,chica

    ResponderExcluir
  25. Olá Valéria,
    lindo conto! Tem continuacao?

    bjsss

    ResponderExcluir
  26. Cada um busca para si o que acha importante....solidão talvez pata ele opção...
    Beijo Lisette.

    ResponderExcluir
  27. Olá Valéria.
    Muito triste passar uma vida assim.
    Adorei o conto.
    Depois de alguns dias ausente aqui estou pra deixar um beijo e te desejar uma excelente semana!
    Beijos grande!

    ResponderExcluir
  28. Oi Val, só agora pude chegar aqui, ando devagar nos blogs, vivendo mais minha vida aqui, apesar de amar a blogosfera.
    Nossa, fiquei emocionada com essa história, e sabe... me lembrei daquela frase que diz, muitos passam pela vida sem viver, apenas existem.
    Conheço pessoas assim e por eu ser tão extrovertida e falante não consigo entender muito bem como algumas pessoas são tão fechadas, deve ser bem difícil...
    As coisas materiais e externas só tem valor quando se vive intensamente, quando se tem interação e um caso de amor com a vida.
    Quando se vive com paixão, aproveitando cada momento com profundidade, tudo passa a ter um novo sentido.
    Você está escrevendo e poetando maravilhosamente, que talento hein? beijos no coração e abençoada semana!

    ResponderExcluir
  29. Valéria, pois fiquei aqui a pensar na vida do rapaz... Será que não estaria bom assim pra ele? Não teria ele uma vida interior que lhe bastasse? Por que teria de ser igual aos outros? Não achei triste, tirando o fato de sua mãe ter morrido. Quantas bagunças acontecem na euforia de festas, de badalações, de gente que gosta de fervilhar? Achei o rapaz na dele, e não me pareceu triste: tinha algo dentro dele que não precisava procurar fora.

    beijão!

    ResponderExcluir
  30. Valéria

    Um lindo e triste conto. Mas acho que para ele felicidade é isso. Viver na solidão. Estar bem consigo mesmo. Tem muitos que vivem rodeados de gente, e mesmo assim não são felizes.

    Bjs.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Gostei de sua visita, volte sempre!

Postagens mais visitadas

SEJA BEM VINDO MARÇO

Texto e imagem de arquivo pessoal Os pingos da chuva lavam a alma na despedida do verão e no anúncio da nova estação, o outono que vem pintar com novas cores o mês da mulher, o mês da poesia. Seja bem vindo Março!

UM NOVO ANO

  Imagem do Google      Folheio o livro   Com cheiro de novo E com páginas em branco Onde escreverei com letras douradas E forjarei cada presente de meu futuro. Nele um novo recomeço Um tempo de renovação. De reinventar-se De transformar sonhos em realidade. É um novo ano que se inicia E por um breve momento Todos os corações em sintonia Darão boas vindas a ele. Um novo tempo que nos traz esperança em dias melhores. Por isso acreditemos nas novas possibilidades... E sejamos felizes!   Valéria     Um ano novo abençoado para todos nós!

COMO EU ME VEJO, COMO VOCÊ ME VÊ, COMO EU PENSO QUE VOCÊ ME VÊ... E COMO EU REALMENTE SOU!

Imagem do google           Abrindo um parêntese no blog onde a proposta é só escrever sobre coisas boas e belas, do que realmente eu gosto, hoje venho fazer considerações não tão simpáticas, é, não só de coisas boas é formada a vida... Então...           Assim diz Clarice Lispector, sou como você me vê ... Será? Tem alguns dias que ficamos perplexos em descobrir uma faceta até então desconhecida para todos de uma pessoa conhecida. De inicio ficamos perplexos, passado o susto inicial passamos a tentar decodificar sinais indicadores de tão triste passagem. Muitas vezes falamos com tanta propriedade sobre nós mesmos que demonstramos para os outros e para nós memos que conhecemos tudo o que somos, e de repente, bum! algo acontece, e como num surto aquilo que estava latente surge para quebrar a máscara, o disfarce. E fica a pergunta, mas como nunca percebemos isso?!          Para Carl Rogers, somos o que somos, e não aquilo que devemos ser. ..Será? É muito importante a percepção que tem